Todo mundo adora uma lista. E que tal os 25 filmes que você precisa ver antes de morrer – depois é que não seria, não é? O problema é que se podem escolher 25 filmes pela importância, porque fizeram avançar a linguagem, e 25 pelo afeto, os que a gente levaria para a ilha deserta. Vamos às listas (por ano de produção, não necessariamente hierarquia). A seguir, os 25 + (pelo afeto), indicados pelo crítico Luiz Carlos Merten.
1 – O ANJO AZUL, DE JOSEF VON STERNBERG, 1930
Professor respeitado degrada-se por amor a uma cantora de cabaré. A herança expressionista de Von Sternberg e o início do mito de Marlene Dietrich, que canta – “Da cabeça aos pés, sou feita para o amor.”

– M, O VAMPIRO DE DUSSELDORF, DE FRITZ LANG, 1931
A obra-prima expressionista de Lang… usa assassino de meninas para fazer a autópsia da sociedade alemã que alicerçou o nazismo. O pedido de ajuda de Peter Lorre, no desfecho, soa como um dos grandes gritos de angústia (e desespero) captados pela câmera de filmar.

3 – …E O VENTO LEVOU, DE VICTOR FLEMING, 1939
Fleming ganhou o Oscar, mas foi apenas um dos diretores que se revezaram na adaptação do romance de Margareth Mitchell sob o comando do produtor David Selznick, o verdadeiro autor do filme. O apogeu de Hollywood – uma grande lição de cinema narrativo, uma apaixonante personagem feminina (a Scarlett O’Hara de Vivien Leigh) e pesquisas de cenário e profundidade de campo que inspiraram Orson Welles em Cidadão Kane.

4 – O MÁGICO DE OZ, DE VICTOR FLEMING, 1939
Outro filme que Fleming assinou, mas não dirigiu sozinho – no mesmo ano de …E o Vento Levou! A garota Dorothy/Judy Garland é levada por um ciclone para o mundo distante de Oz. E o filme inteiro ela passa tentando voltar para casa, em Kansas. O tema da volta para casa tornou-se clássico em Hollywood. Como Tara, a mítica fazenda de Gone by the Wind, o mundo todo não vale o lar. A mistura de cor e preto e branco, a cenografia e os figurinos, a desmistificação do ‘mágico’ e Judy, cantando Over the Rainbow, tudo contribuiu para o culto ao filme.

5 – O INTRÉPIDO GENERAL CUSTER, DE RAOUL WALSH, 1941
Como História, esse filme é falso – sabe-se hoje, com certeza, que o General Custer foi um celerado matador de índios. O grande Walsh faz dele um herói que se sacrifica pelos peles-vermelhas. Nunca houve e nunca haverá um filme como esse, sobre a juventude do herói. E a despedida de Errol Flynn de Olivia De Havilland, quando sabe que está indo para a morte (“Madame, viver a seu lado foi o maior privilégio que tive nessa vida”), é uma daquelas cenas que, ao longo do tempo, fizeram e ainda fazem a grandeza do cinema.

6 – O GRANDE DITADOR, DE CHARLES CHAPLIN, 1940
Chaplin, o imortal criador de Carlitos, criou toda uma estética baseada no movimento celerado das imagens no cinema mudo. E, por isso, resistiu muito ao sonoro. Mas aqui ele se rendeu à palavra. O barbeiro judeu, sósia do ditador no estilo de Hitler, assume seu lugar. O discurso final não perdeu nada de sua força como manifesto humanista. Enquanto houver cinema, será sempre emocionante.

7 – A FELICIDADE NÃO SE COMPRA, DE FRANK CAPRA, 1946
Os críticos detestam os truísmos do diretor Capra, mas esse virou o filme por excelência sobre o espírito do Natal. No auge do desespero, um homem pensa em se matar, mas um anjo vem lhe mostrar o que seria o mundo sem ele. James Stewart, Donna Reed, jingle bells e dane-se quem não entrar no clima.

8 – CANTANDO NA CHUVA, DE STANLEY DONEN, 1952
Os bastidores do cinema, na passagem do cinema silencioso para o sonoro. O musical que é considerado o maior energético do cinema. Em caso de depressão crônica, tenha sempre o DVD à mão. A cena de Gene Kelly cantando e dançando na chuva é antológica.

9 – ERA UMA VEZ EM TÓQUIO, DE YASUJIRO OZU, 1953
Nunca houve outro tema para Ozu que não a crise da família tradicional japonesa. Um casal de velhos visita, em Tóquio, os filhos que não têm tempo para eles. Ozu anteviu o futuro. E filmando daquele jeito dele – câmera baixa, minimalismo de emoções. Daqui a cem anos, enquanto houver cinema, esse filme será moderno.

10 – RASTROS DE ÓDIO, DE JOHN FORD, 1956
Ford, o Homero de Hollywood, contou muitas vezes a odisseia de grupos, mas sua obra-prima é esse filme, a tragédia (a odisseia) de um solitário. Ethan Edwards/John Wayne procura, para matar, a sobrinha que foi sequestrada pelos índios, e virou um deles. Todo personagem de Ford busca um lar. Edwards não tem direito a um. A porta fecha-se e ele fica na paisagem. Lar é só um conceito. Pode ser só a cadeira de balanço em que se embala Hank Worden.

11 – HIROSHIMA, MEU AMOR, DE ALAIN RESNAIS, 1959
Francesa que participa de um filme sobre a paz em Hiroshima vai para a cama com japonês. Um gesto do amante, na cama, lhe traz de volta o tempo perdido, a lembrança de um romance proibido em Nevers, na França, durante a 2ª Grande Guerra. O clássico que celebra o encontro entre cinema e literatura. A memória, o tempo, o imaginário. E o mistério da química entre Emmanuelle Riva e Eiji Okada.

12 – MORANGOS SILVESTRES, DE INGMAR BERGMAN, 1959
A odisseia interior do Professor Isak Borg, que atravessa os planos da realidade, da memória e da imaginação para se purgar de sua vida sem amor. O rosto de Victor Sjostrom, o toque de gênio no passado e no presente que coexistem nas mesmas imagens. No jardim da infância, o velho clama pelo amor da juventude. O cinema não seria uma arte sem esses fragmentos.

13 – A AVENTURA, DE MICHELANGELO ANTONIONI, 1960
Uma mulher desaparece durante um cruzeiro. Seu amante e a amiga dela a procuram, e iniciam uma relação. Nada é explicado – por que ela sumiu? -, o que interessa, numa narrativa não romanesca, é a análise dos sentimentos. O rosto tenso de Monica Vitti, a aspereza da paisagem, a trilha de Giovanni Fusco. Dessas combinações nascem os clássicos.

14 – ROCCO E SEUS IRMÃOS, DE LUCHINO VISCONTI, 1960
O filme preferido do autor da lista. A crônica da desintegração de uma família do Sul da Itália na industrializada Milão. Uma mãe e seus cinco filhos. Como conta Rocco/Alain Delon, para que a casa cresça forte o pedreiro sacrifica um tijolo. Um dos irmãos, Simone/Renato Salvatore, será esse tijolo sacrificado na cidade grande. Grandes cenas, e a maior interpretação registrada por uma câmera de filmar, em toda a história – a de Annie Girardot, como a prostituta Nadia.

15 – CLAMOR DO SEXO, DE ELIA KAZAN
Talvez o mais pungente final da história do cinema. O casal que se amou tanto – Natalie Wood e Warren Beatty, no auge da juventude e da beleza – reencontra-se. Cada um seguiu seu caminho e nada mais trará de volta os momentos de esplendor do sol na relva (Splendor in the Grass., título original) do poema de Woodsworth, que serviu de epígrafe para o diretor e seu roteirista, o dramaturgo William Inge.

17 – O DESPREZO, DE JEAN-LUC GODARD, 1963
Roteirista é contratado para assessorar diretor – o mítico Fritz Lang, como ele mesmo – que pretende fazer uma versão da Odisseia com estátuas. O filme mais clássico de Godard. A tragédia do casal moderno. A mulher (Brigitte Bardot) não tem mais a fidelidade de Penélope, mas é que o homem (Michel Piccoli) também não é mais Ulisses.

18 – VIDAS SECAS, DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS, 1964
Fabiano, Siá Vitória e os meninos saltam das páginas de Graciliano Ramos e ganham movimento no clássico do Cinema Novo. A estética da fome em seu ápice – o som estridente da roda da carreta e a morte da cachorra, Baleia.

19 – REBELIÃO, DE MASAKI KOBAYASHI, 1967
Só um gênio como Kobayashi para expressar o conflito entre os mitos Toshiro Mifune e Tatsuya Nakadai. Dois samurais, com seus códigos de honra. Um deles quer denunciar o suserano corrupto. O outro tem de defender o poder. Mas, se o fizer, ele sabe que estará ferindo sua dignidade. O duelo de sabre que encerra, numa única cena, todo o cinema japonês.

20 – O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO, DE GLAUBER ROCHA, 1968
O faroeste de Glauber, outro duelo – de espada – entre o cangaceiro e Antônio das Mortes. A cor, a música, o movimento. Prêmio de mise-en-scène em Cannes. O diálogo cantado de Odete Lara e Othon Bastos é uma preciosidade.

21 – O PODEROSO CHEFÃO, DE FRANCIS FORD COPPOLA, 1972
A luta pelo poder numa democracia étnica expressa através da crônica de uma família de mafiosos.

22 – E.T. – O EXTRATERRESTRE, DE STEVEN SPIELBERG, 1982
Elliott, o menino – seu nome engloba a sigla do extraterrestre -, supre sua carência adotando o alienígena e o ajudando a voltar a seu planeta. ET aponta o dedo para o céu e diz – ‘Home’. A eterna volta ao lar. E Spielberg subverte o conceito hollywoodiano que sempre vê no outro, no diferente, o perigo.

23 – O SENHOR DOS ANÉIS – O RETORNO DO REI, DE PETER JACKSON, 2003
O desfecho da saga. Frodo conclui sua missão. Aragorn vira rei, casa-se com Arwen e a paz volta à Terra-Média. Como diria Yoda, a imaginação moveu o mundo.

24 – RATATOUILLE, DE BRAD BIRD, 2007
Cada um terá sua animação preferida. Essa é a do autor da lista. Rato sonha ser chef. Só a tecnologia de ponta do cinema para nos fazer compartilhar as emoções de um ser tão ínfimo (e abjeto). O radical reconhecimento do outro.

25 – STAR WARS – EPISÓDIO V – O IMPÉRIO CONTRA-ATACA, DE IRWIN KERSHNER, 1980
Embora sem começo nem fim – é um episódio intermediário -, o melhor filme de toda a saga intergaláctica de Lucas. Aquele em que o pequenino Yoda, pendurado numa árvore, ensina a Luke Skywalker que se pode mover o mundo só com a força da imaginação. O mundo, talvez. O cinema, com certeza.

Por Agência Estado