Os Estados Unidos e a Europa têm se deparado com um grande desafio nos últimos meses: encontrar uma maneira de financiar a reconstrução da Ucrânia após a guerra. Com os ataques da Rússia a cidades, fábricas e infraestrutura no país, os custos estimados para a reconstrução dispararam para US$ 500 bilhões (aproximadamente R$ 2,3 trilhões), podendo chegar até US$ 1 trilhão (cerca de R$ 4,7 trilhões), segundo especialistas.
Inicialmente, a solução parecia simples: fazer a Rússia arcar com os custos como forma de responsabilizá-la pelos danos causados. No entanto, essa abordagem tem se mostrado extremamente complicada e improvável, visto que esbarra em obstáculos legais relacionados ao direito internacional e poderia criar um perigoso precedente para futuros conflitos entre nações.
Os países ocidentais congelaram mais de US$ 330 bilhões (aproximadamente R$ 1,5 trilhão) em ativos do Banco Central da Rússia mantidos no exterior desde o início da invasão russa. Líderes do G7, grupo que reúne algumas das maiores economias do mundo, afirmaram que esses ativos permanecerão congelados até que a Rússia repare os danos causados à Ucrânia. No entanto, reconhecem a necessidade de estabelecer um mecanismo internacional de reparação de danos.
A maior parte desse montante, cerca de US$ 217 bilhões, está congelada na União Europeia (UE). A líder do bloco, Ursula von der Leyen, prometeu em junho apresentar uma maneira legal de utilizar esses ativos russos em benefício de Kiev antes do fim do verão no hemisfério norte.
Contudo, especialistas alertam que a apreensão definitiva de ativos estatais russos acarretaria riscos legais e financeiros significativos. De acordo com o direito internacional, os ativos poderiam ser confiscados por meio de uma votação no Conselho de Segurança da ONU, uma decisão da Corte Internacional de Justiça ou um acordo pós-guerra. Nenhuma dessas opções parece ser viável no momento.
Como membro do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia vetaria qualquer votação nesse sentido. Além disso, enquanto a guerra ainda estiver acontecendo, não é possível chegar a um acordo. Até o momento, nenhum caso foi apresentado à Corte Internacional de Justiça. Mesmo que isso ocorresse, especialistas argumentam que confiscar os ativos do Banco Central da Rússia seria uma violação da soberania do país, com base em precedentes legais.
A secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, afirmou no mês passado que o confisco dos ativos russos congelados no país provavelmente exigiria uma mudança na legislação americana.
As autoridades europeias, por sua vez, avaliaram em um relatório confidencial que não há uma via legal confiável que permita o confisco de bens congelados com base apenas nas medidas restritivas impostas pela UE. Diante disso, a Comissão Europeia, braço executivo do bloco, concentrou-se em uma solução que considere menos riscos: canalizar os lucros obtidos pelas instituições financeiras sediadas na Europa que detêm esses ativos para a Ucrânia. Segundo a comissão, essa opção poderia gerar cerca de € 3 bilhões (aproximadamente R$ 15,6 bilhões) por ano.
Essa abordagem não afetaria a soma total dos ativos russos congelados, caso eles precisem ser devolvidos no futuro. A maior parte desses ativos está sob custódia da Euroclear, uma empresa com sede em Bruxelas que lida com transações internacionais e custódia de ativos para bancos centrais e comerciais globais.
Por conta das sanções, os ganhos relacionados a esses ativos foram impedidos de voltar para a Rússia, acumulando-se no balanço da Euroclear e aumentando-o em cerca de € 125 bilhões (aproximadamente R$ 652,7 bilhões) desde o início da guerra. Cumprindo os requisitos regulatórios, a empresa investiu o dinheiro adicional e obteve cerca de € 1,7 bilhão (aproximadamente R$ 8,8 bilhões) no primeiro semestre do ano.
Em circunstâncias normais, a empresa decidiria como utilizar esse dinheiro, mas, diante das incertezas sobre o destino dos ativos congelados, o conselho da Euroclear optou por não utilizá-lo. A empresa expressou preocupações quanto a potenciais riscos jurídicos, técnicos e operacionais advindos das propostas da Comissão Europeia.
Esses lucros já foram tributados pela Bélgica, onde a Euroclear tem sua sede, arrecadando cerca de US$ 111 milhões (aproximadamente R$ 525 milhões), que o primeiro-ministro Alexander de Croo prometeu transferir para Kiev.
Uma das propostas apresentadas por ex-funcionários do governo Joe Biden é a de colocar os ativos imobilizados em uma conta caucionada que poderia ser usada pela Ucrânia como garantia para novos títulos que possa emitir. Caso Kiev consiga pagar a dívida com sucesso em um período entre 10 e 30 anos, a Rússia poderia recuperar seus ativos congelados.
Mesmo com a proposta da Comissão Europeia, que reduziria os riscos legais e financeiros para a Europa, o Banco Central Europeu (BCE) e alguns países do bloco ainda pedem uma abordagem mais cautelosa. Dessa forma, o prazo para apresentação de novas leis que permitam o uso dos ativos russos foi adiado para o outono no hemisfério norte.
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