A recente iniciativa da Polícia Federal de tomar depoimentos simultâneos de oito pessoas como parte da investigação sobre a suposta venda ilegal de presentes de governos estrangeiros ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) revelou estratégias diferentes entre os investigados. Enquanto Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle escolheram exercer o direito ao silêncio, assim como o advogado Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o único detido até o momento, optou por responder às perguntas dos agentes federais.
O argumento utilizado pelo casal Bolsonaro para justificar seu silêncio é que o Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por supervisionar as investigações da PF e autorizar operações, quebras de sigilo e buscas, não teria jurisdição adequada para o caso. A defesa argumenta que a Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendou o “declínio da competência” em relação ao caso, encaminhando-o para a 6ª Vara Federal de Guarulhos.
Os advogados sustentam que, devido ao término do mandato presidencial e, consequentemente, à perda do foro privilegiado, o caso deveria ser tratado em primeira instância. No entanto, a Vara Federal local encaminhou o caso ao STF, considerando sua conexão com a investigação mais ampla realizada pela PF em Brasília.
Além de Michelle, Bolsonaro, Wajngarten e Cid, a Polícia Federal também convocou para depor nesta quinta-feira, 31, o advogado Frederick Wassef, Mauro Cesar Lourenna Cid (pai do ajudante de ordens), Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara.
Wassef optou por não fazer comentários sobre seu depoimento, já que as investigações estão sob segredo de Justiça. Em uma declaração publicada nas redes sociais, Michelle Bolsonaro afirmou que não pode “prestar depoimento em local impróprio”, fazendo referência à jurisdição do STF sobre o caso. Enquanto isso, Mauro Cid prestou depoimento por mais de nove horas.
‘Narrativa’ Professores e advogados entrevistados pelo Estadão ressaltaram que o direito ao silêncio é garantido constitucionalmente, mas pode se tornar uma “arma de dois gumes” quando os outros suspeitos optam por se pronunciar, como aconteceu no caso em questão. Mauricio Dieter, professor de Criminologia e Direito Penal da USP, afirmou que “depoimentos em inquéritos não têm valor como prova, mas o problema para os dois é o que os demais falarem. O silêncio deles pode ser confrontado com uma narrativa que pode ou não ser incriminatória”.
Os depoimentos na fase de inquérito são considerados uma oportunidade para o suspeito apresentar sua versão dos fatos. Isso permite que a autoridade policial construa sua própria narrativa e faça suas próprias deduções.
O silêncio durante os depoimentos na fase de inquérito é uma prática comum, especialmente quando o investigado ainda não teve acesso a todos os detalhes da investigação.
“É uma forma de se proteger, aguardar uma possível acusação e falar somente diante de um juiz”, explicou Raquel Scalcon, professora de Direito da FGV-SP. “No processo criminal, existem duas situações distintas: o investigado tem o direito ao silêncio, enquanto a testemunha tem o dever de falar a verdade.”
No caso das joias estrangeiras, Bolsonaro e Michelle estão sob investigação. “Assim como eles têm a oportunidade de dar sua versão dos acontecimentos e permanecer em silêncio, também podem optar por mentir, se assim desejarem”, concluiu a professora.